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quinta-feira, julho 20, 2006

Comentário - Salmo 1.3-6 - João Calvino

Verso 3 - "Ele será como uma árvore plantada junto a ribeiros de águas, que produz seu fruto na estação própria, cujas folhas não murcharão, e tudo quanto faz prosperará".

Aqui, o salmista ilustra, e ao mesmo tempo confirma pelo uso de metáfora, a afirmação feita no versículo precedente; pois ele mostra em que sentido os que temem a Deus são considerados bem-aventurados, ou seja, não porque desfrutem de avanescente e infantil alegria, mas porque se encontram numa condição saudável. Há nas palavras um contraste implícito entre o vigor de uma árvore plantada num sítio bem regado e a aparência decaída de uma que, embora viceje prazenteiramente por algum tempo, no entanto logo murcha em decorrência da aridez do solo em que se acha plantada. Com respeito aos ímpios, como veremos mais adiante [Sal 37.35], eles são às vezes como "os cedros do Líbano". Desfrutam de uma prosperidade tão exuberante, tanto de riquezas quanto de honras, que nada parece faltar-lhes para sua presente felicidade. Não obstante, quanto mais alto se ergam e quanto mais expendam por todos os lados seus galhos, uma vez não possuindo raízes bem fincadas no chão, nem ainda suficiente umidade da qual venha a derivar seus nutrientes, toda a sua beleza se esvai e desaparece. Portanto, é tão-somente pela benção divina que alguém pode permanecer numa condição de "prosperidade". Os que explicam a figura dos fiéis produzindo seu fruto na estação própria, significando que sabiamente descernem quando uma coisa deve ser feita, até onde pode ser bem feita, em minha opinião revela mais sutileza do que bom senso, impondo às palavras do profeta um sentido que ele jamais pretendeu. Obviamente, sua intenção nada mais nada menos era que os filhos de Deus vicejam constantemente, e são sempre regados com as secretas influências da graça divina, de modo que tudo quanto lhes suceda é proveitoso para sua salvação. Enquanto que, em contrapartida, os ímpios são arrebatados pelas repentinas tempestades ou consumidos pelo escaldante calor. E ao dizer: produz seu fruto na estaçao própria (e produziu todo o seu fruto para maturidade), ele expressa o pleno sazonamento do fruto produzido, ao passo que, embora os ímpios aparentem precoce fecundidade, contudo nada produzem que conduza a perfeição.

Verso 4 -
"Os ímpios não são assim; são, porém, como a palha que o vento dispersa".

O salmista bem que poderia, com propriedade, ter comparado os ímpios a uma árvore que rapidamente murcha, à semelhança de Jeremias que os compara ao arbusto que cresce no deserto [Jr 17.6]. Considerando, porém, que tal
figura não era suficientemente forte, ele os avilta ainda mais, empregando uma outra figura que os exibe por um prisma que os torna ainda mais desprezíveis. E a razão pe porque ele não mantém seus olhos postos na condição de prosperidade da qual se vangloriam por um curto tempo, mas sua mente pondera seriamente na destruição que os aguarda e que, finalmente, os surpreenderá. Portanto, eis o significado: embora os ímpios vivam no momento prosperamente, todavia vão paulatinamente se transformando em palha; pois quando o Senhor os derribar, ele os arrojará de um lado para o outro com sua fulminante ira. Além disso, com essa forma de falar, o Espírito Santo nos ensina a contemplarmos com os olhos da fé o que de outra forma nos parecereia incrível; pois ainda que o ímpio se eleve e surja de forma sobranceira, à semelhança de uma árvore imponente, que descansemos certos de que ele será como a palha ou o refugo, sabendo que no devido tempo Deus o arrojará da alta posição em que se encontra, com o sopro de sua boca.

Versos - 5 e 6: "Poranto, os ímpios não prevalecerão no juízo nem os pecadores, na congregação dos justos. Porque Jehovah conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá".

No quinto versículo, o profeta ensina que uma vida feliz depende de uma sã consciência, e que, portanto, não é de admirar que o ímpio de repente se veja sem aquela felicidade que julgara possuir. E há implícita nas palavras uma e´spécie de concessão: o profeta tacitamente reconhece que os ímpios se deleitam e desfrutam e triunfam durante o reinado da desordem moral no mundo; justamente como os ladrões se regalam nas florestas e esconderijos entquanto se vêem fora do alcance da justiça. Ele nos assegura, porém, que as coisas nem sempre correrão bem em seu presente estado de confusão, e que quando forem reduzidas ao seu real estado, tais pessoas ímpias se verão inteiramente privadas de seus prazeres e perceberão que foram enfatuadas imaginando ser felizes. E assim percebemos que o salmista apresenta o ímpio como sendo um ser miserável, visto a felicidade ser uma benção interior procedente de uma sã consciência. Ele não nega que, antes que compareçam a juízo, todas as coisas foram bem sucedidas como eles; mas nega que sejam de fato felizes, a menos que tenham substancial e inabalável integridade de caráter para se manterem; pois a genuína entegridade dos justos se manifesta quando ela finalmente é provada. É deveras verdade que o Senhor exerce juízo diariamente, quando faz distinção entre justos e os perversos; visto, porém, que isso só é feito parcialmente nesta vida, devemos olhar mais alto se desejamos ver a Assembléia dos justos, da qual se faz menção aqui.

Mesmo neste mundo, a prosperidade dos ímpios começa a escoar-se assim que Deus manifesta os emblemas de seu juízo (porque, sendo despertos do sono, são constrangidos a reconhecer, queiram ou não, que não têm qualquer parte na assembléia dos justos); visto, porém, que isso nem sempre se concretiza em relação a todos os homens, no presente estado, devemos pacientemente esperar o dia da revelação final, quando Cristo separará as ovelhas dos cabritos. Ao mesmo tempo, devemos ter como verdade geral o fato de que os ímpios estão destinados à miséria; pois suas próprias consciências os condenam em virtude de sua perversidade; e, assim que forem convocados a pretar contas de sua vida, seu sono será interrompido, e então perceberão que estiveram meramente sonhando quando acreditavam ser felizes, sem visualizar em seu interior o real estado de seus corações.

Além do mais, as coisas, aqui, parecem ser atiradas à mercê da sorte, e como não nos é fácil, no meio da confusão prevalecente, reconhecer a verdade do que o salmista havia dito, ele, pois, apresenta, para nossa consideração, o grande princípio de que Deus é o Juiz do mundo. Isto concedido, segue-se que não pode haver outra sorte para o reto e o justo senão o bem-estar, enquanto que, em contrapartida, outra sorte não está reservada ao ímpio senão a mais terrível destruição. De acordo com toda a evidência externa, os servos de Deus não podem extrair benefício algum de sua retidão; mas, como é o ofício peculiar de Deus defendê-los e tomar providência em favor de sua segurança, eles devem viver felizes sob a proteção divina. E de tal fato podemos também concluir que, como Deus é o inexorável vingador contra os perversos, ainda que por algum tempo ele pareça não notar o que o ímpio faz, finalmente o visitará com a destruição. Portanto, em vez de admitirmo-nos ser enganados com sua imaginária felicidade, tenhamos sempre diante de nossos olhos, em circunstâncias de estresses, a providência de Deus, a quem pertence a prerrogativa de estabelecer os negócios do mundo e fazer com que, do caos, surja a perfeita ordem.